Pensão alimentícia e a viabilidade da ação de exigir contas
Terça-feira, 21 de julho de 2020.
Por Sabrina Mesquita
O ordenamento jurídico brasileiro trata com especial atenção os menores, crianças e adolescentes, sendo-lhes assegurado, nos termos do art. 227 da Constituição Federal, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além da proteção contra toda e qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Dessa forma, são inúmeros os mecanismos legais para que haja a devida proteção do menor, em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Partindo disso, muito se questiona a respeito da possibilidade de ajuizamento de ação de exigir contas pelo alimentante, em face do guardião do alimentando, com a finalidade de apurar a correta destinação e o adequado emprego da pensão alimentícia paga.
Como se sabe, o Código Civil, em seu art. 1.583, §5º, dispõe sobre a legitimidade do genitor não guardião de solicitar informações e/ou a prestação de contas em face do titular da guarda unilateral, objetivando a supervisão dos interesses do filho. Contudo, a partir de uma construção interpretativa e jurisprudencial, muitas barreiras foram impostas e, então, passou-se a entender que a ação de exigir contas seria via inadequada para fiscalização dos recursos pagos ao alimentado.
Este foi o entendimento exarado quando do julgamento do Recurso Especial (REsp) n. 1637378/DF, julgado em 19 de fevereiro de 2019, pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no sentido de que “a ação de prestação de contas proposta pelo alimentante é via inadequada para fiscalização do uso de recursos transmitidos ao alimentando por não gerar crédito em seu favor e não representar utilidade jurídica.”.
Ocorre que, em 26 de maio do presente ano, no julgamento do REsp n. 1.814.639/RS, a mesma Turma do STJ alterou o seu entendimento, admitindo a possibilidade de ajuizamento de ação de exigir contas em face do guardião do menor, desde que o único objetivo seja apurar se a verba alimentar prestada está sendo efetivamente empregada no desenvolvimento sadio do alimentando, respeitados os princípios e direitos relacionados ao poder familiar, à isonomia parental, à proteção integral e ao melhor interesse da criança e do adolescente.
Para além da insegurança jurídica emergida do novo precedente, certo é que milhares de ações poderão ser propostas exatamente na linha do que foi consignado no acórdão, de que não se pode negar ao alimentante não-guardião o direito de aferir se os valores que paga a título de pensão alimentícia estão sendo realmente utilizados em favor do beneficiário e voltados ao pagamento de suas despesas e ao atendimento dos seus interesses básicos fundamentais, sob pena de se impedir o exercício pleno do poder familiar. A análise, todavia, deverá ser feita caso e caso e com bastante acuidade.
Portanto, ao que parece, embora haja julgados anteriores que contrapõem o entendimento em questão, repise-se, da própria Terceira Turma do STJ, o recente posicionamento adotado no julgamento do REsp n. 1.814.639/RS reacende o conflituoso debate a respeito da viabilidade de o alimentante se valer da ação de exigir contas para exercer a supervisão dos interesses do menor, em conformidade com os arts. 550 e seguintes do Código de Processo Civil.
Vale, entretanto, reforçar que o julgado se restringiu, naquele caso concreto, a preservar o direito do alimentante de pedir esclarecimentos sobre o escorreito emprego da verba alimentar ao menor, de modo que a demanda, em hipótese alguma, se presta a eventual acerto de contas ou perseguições entre os pais.
Por fim e não menos importante, é o fato de que permanece vedada a possibilidade de apuração de crédito a favor do alimentante, pois os alimentos são irrepetíveis, ou seja, não serão devolvidos a quem os pagou, mesmo se for declarada a malversação dos recursos.
Nesse caso, o legitimado poderá adotar as providências e medidas judiciais que entender cabíveis para amparar o alimentando, mediante a propositura de ação própria.