A MP 948, que envolve os setores de turismo e cultura, aguarda sanção presidencial.
Na atual conjuntura, a esperada convalidação da MP em Lei é muito pertinente, como medida necessária à preservação das empresas do setor, que, sem as alternativas elencadas na norma e a garantia de um prazo mais elástico para cumprir suas obrigações, estão fadadas à bancarrota
Terça-feira, 04 de agosto de 2020.
por Sabrina Mesquita.
A crise sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus já afeta a economia mundial em diferentes e consideráveis escalas, estando evidente que, direta ou indiretamente, absolutamente todos sentirão as consequências.
O mercado do turismo vem enfrentando os catastróficos efeitos econômicos desta crise sem precedentes. Considerando que o setor conta, quase que exclusivamente, com uma atividade que depende da mobilidade das pessoas, as medidas de isolamento adotadas no combate à propagação do novo coronavírus têm o afetado drasticamente e a perspectiva de volta à normalidade não é animadora.
Conforme estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas – FGV* em abril de 2020, no Brasil, mesmo num cenário de estabilização da economia entre outubro de 2020 e outubro de 2021, estima-se uma queda de 21,5%, em comparação ao PIB do setor no ano de 2019. Segundo a pesquisa, para compensar essa perda, será necessário que o turismo como um todo cresça, nos anos de 2022 e 2023, em média, 16,95% ao ano, o que, por óbvio, não será uma tarefa fácil.
Dessa forma, foi e continua sendo necessária a adoção de medidas que atenuem o impacto da crise sanitária no setor, a fim de que ele tenha condições de se reestruturar, ainda que a médio prazo.
Nesse sentido, desde 08 de abril deste ano, está em vigor a Medida Provisória n. 948, que dispõe sobre o cancelamento de serviços, reservas e eventos dos setores de turismo e cultura em razão do estado de calamidade pública, na tentativa de minimizar os prejuízos dos consumidores, mas também dos fornecedores de serviços.
Em suma, a Medida Provisória prevê que, na hipótese de cancelamento de serviços, reservas e eventos, o fornecedor não está obrigado a reembolsar os valores pagos pelo consumidor de forma integral e em única parcela (tal como determina o Código de Defesa do Consumidor, mesmo que na hipótese de força maior), desde que assegure a remarcação, a disponibilização de crédito para uso ou o abatimento na compra de outro serviço, reserva ou evento, ou formalize outro acordo com o consumidor.
Somente na hipótese de não oferecimento das opções supramencionadas ou se a empresa e o consumidor não conseguirem chegar a um consenso, o fornecedor deverá reembolsar o valor despendido pelo consumidor, corrigido pelo índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), no período de 12 (doze) meses, contados a partir do encerramento do estado de calamidade pública.
Evidentemente, naqueles casos em que as regras estabelecidas na MP não forem cumpridas ou que não houver um canal eficaz de contato com o fornecedor, ao consumidor não haverá alternativa senão recorrer ao Judiciário para reaver os seus direitos.
É importante destacar curiosa disposição da Medida Provisória acerca dos impactos da pandemia no setor. Conforme dispõe o art. 5º, eventuais cancelamentos ou adiamentos dos contratos de natureza consumerista regidos por esta Lei caracterizam hipótese de caso fortuito ou de força maior, e não são cabíveis reparação por danos morais, aplicação de multas ou imposição das penalidades previstas no art. 56 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, ressalvadas as situações previstas no § 7º do art. 2º e no § 1º do art. 4º desta Lei, desde que caracterizada má-fé do prestador de serviço ou da sociedade empresária. Assim sendo, na eventual hipótese de demanda judicial, os fornecedores, em regra, não poderão ser condenados ao pagamento de indenização por danos morais ou de outras sanções que comprometam ainda mais o seu caixa.
Ressalte-se que estão abarcados pela Medida Provisória em comento os prestadores de serviços e empresas nas áreas de hospedagem, agências de turismo, transportadoras turísticas, organizadoras de eventos, parques temáticos, acampamentos turísticos, cinemas, teatros e plataformas digitais de vendas de ingressos pela internet. Ainda, a medida vale para restaurantes, cafeterias, bares, centros de convenções, empreendimentos de lazer, marinas, casas de espetáculos, montadoras de feiras de negócios e locadoras de veículos para turistas, desde que cadastrados no Ministério do Turismo.
Vale destacar que, embora a medida provisória tenha força de lei e seja apta a produzir efeitos jurídicos imediatos, precisa da posterior apreciação pelas Casas do Congresso Nacional, Câmara e Senado, para que seja convertida definitivamente em lei ordinária. No último dia 29 de julho, a MP n. 948, que já está em vigor desde o mês de abril, foi aprovada pela Câmara dos Deputados, passando a tramitar como Projeto de Lei de Conversão – PLV n. 29/2020, e, em 30 de julho de 2020, foi aprovada também pelo Senado Federal.
O Projeto de Lei de Conversão foi enviado à sanção do Presidente da República, que poderá sancioná-lo ou vetar o seu texto, parcial ou integralmente. Ao Congresso Nacional caberá deliberar sobre eventual veto e, assim, concluir o processo de tramitação da matéria.
Certo é que, na atual conjuntura, a esperada convalidação da MP em Lei é muito pertinente, como medida necessária à preservação das empresas do setor, que, sem as alternativas elencadas na norma e a garantia de um prazo mais elástico para cumprir suas obrigações, estão fadadas à bancarrota. Afora isso, estima-se que, com a convalidação, haverá expressiva redução das demandas judiciais e uma propensão maior aos acordos extrajudiciais, o que também é extremamente oportuno e recomendável.
Sabrina Mesquita é integrante do escritório Chater Advogados, em Brasília.